Expressão inconteste do vigor da italianidade que pulsa naquela que é considerada a “oitava província do Vêneto”, a ítalo-gaúcha Stephania Puton resolveu, de uma vez só, colocar toda a sua experiência como advogada e empresária a serviço da comunidade ítalo-brasiileira: eleita conselheira do Comites – ‘Comitato degli Italiani all’Estero’ do Rio Grande do Sul, do qual é vice-presidente, inscreveu seu nome como candidata a uma das quatro vagas do Brasil no CGIE – ‘Consiglio Generale degli Italiani all’Estero’.
A eleição será no próximo sábado, em Brasília, durante a Assembléia “Paese” convocada pela Embaixada da Itália no Brasil e na qual são eleitores os 120 conselheiros dos Comites e mais representantes de 54 associações escolhidas pela Embaixada. Pelo menos outros sete candidatos concorrem com Stephania: Ana Maria Cani – ES, Andrea Lanzi – RJ, Daniel Taddone – PE, Pasquale Pierrini – DF, Renato Sartori – SP, Silvia Alciati – MG e Walter Antonio Petruzziello- PR.
Embora formalmente tenha “entrado” agora no sistema de representação institucional da comunidade ítalo-brasileira, Stephania tem uma larga folha de serviços na área, seja no setor da imigração e no empresarial, onde atua como conselheira da Câmara Ítalo-Brasileira de Indústria e Comércio do Rio Grande do Sul, seja na área das associações, cuja atividade sócio-cultural defende como poucos. Ela é “4ª geração” de imigrantes vênetos que vieram ao Brasil (nasceu em Liberato Salzano-RS), mas seu doutorado em Direito obteve na Universidade de Ca’ Foscari, de Veneza, durante o período de dez anos que viveu na Itália e desenvolveu inúmeros projetos antes de se estabelecer definitivamente em Porto Alegre.
“Colaboração, diplomacia e cumprimento da legislação vigente” são seus compromissos básicos, sob os quais abriga a defesa intransigente do ‘ius sanguinis’ (“os próximos meses serão muito importantes, principalmente em função da tão esperada manifestação da “Corte di Cazzazione” no dia 12.07.2022). e do ‘Made in Italy’, ao lado da melhoria dos serviços consulares.
Radicalmente contrária à influência político-partidária nos órgãos associativos, não lhe escapa a observação de que “há anos observamos tentativas de “desmantelar” os procedimentos de reconhecimento da cidadania italiana. Mas, apesar disso, “sou uma eterna otimista – assegura – e acredito que os próximos anos serão diferentes, pois as pessoas têm acesso as informações e cobram respostas dos seus representantes”.
Os cidadãos italianos e seus descendentes são, como ela diz na tele-entrevista exclusiva concedida ao editor de Insieme, “um recurso inestimável para a Itália”. Condena a “discriminação de gênero ainda vigente no nosso ordenamento”, ou seja, a conhecida “cidadania pelo lado materno” que só é obtida judicialmente; defende o ensino da língua italiana “nas escolas municipais em parceria com prefeituras, universidades e associações”; quer a “descentralização dos serviços consulares”; advoga o fortalecimento dos “vínculos entre as Câmaras de comércio e os Comites”, e muito mais.
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Além do vídeo que acompanha esta matéria, abaixo transcrevemos as respostas que ela deu por escritos às perguntas-padrão que fizemos a todos os candidatos nesta séria de entrevistas.
O que motiva sua candidatura?
Atuo há mais de 20 anos junto à comunidade italiana, desde a época em que morava na Itália, principalmente em relação à questão cultural, intercâmbios entre de jovens e missões empresariais. Quando retornei ao Brasil, em 2014, passei a integrar a CCIRS – Câmara de Comércio Italiana do Rio Grande do Sul, onde atualmente faço parte da diretoria. Em 2021, com a renovação do Comites, me senti determinada para integrar a lista. Hoje sou vice-presidente do Comites/RS.
O que me motiva de verdade a participar da vida associativa é a minha vontade de colaborar para o desenvolvimento da comunidade italiana. Mais do que nunca precisamos de união e colaboração efetiva para encontrar soluções aos problemas dos cidadãos italianos residentes no exterior e principalmente para àqueles que ainda aguardam o reconhecimento da cidadania italiana nas longas filas dos consulados.
Durante os últimos anos, trabalhei com muito empenho junto ao CCIRS. Em 2014, tínhamos 20 associados e hoje temos mais de 200. Este resultado é fruto de muito trabalho, união, dedicação de diversas pessoas que decidiram construir um novo futuro.
É exatamente assim que eu imagino a minha participação no Conselho.
Como vê o papel do CGIE no sistema de representação institucional dos italianos no mundo?
Considero o CGIE um órgão de suma importância, pois trata-se de uma instituição intermediária entre a comunidade local, Comites e associações, e os parlamentares eleitos no exterior, bem como os diversos ministérios, regiões e municípios italianos.
Além disso, por ocasião do referendum que aprovou a redução dos parlamentares, fato que afetou diretamente a nossa circunscrição, reduzindo de 5 para 3 parlamentares, entre Senado e Câmara, o CGIE passa a ter ainda mais relevância no campo da representatividade. Acredito que tenha mais espaço para a atuação do Conselho e Comites do que para os próprios deputados, pois estes não podem cobrir um território enorme que vai de Norte a Sul do país. Já o CGIE e o Comites estão mais próximos da comunidade, e portanto, considero de extrema importância.
Na minha opinião, a atividade do Conselho deve ser constante e muito focada nos cidadãos italianos e no Brasil. Eu acredito em um sistema híbrido que se apoia não só nas críticas ou cobranças de soluções por parte do governo, mas sim, de uma mútua colaboração de todos os envolvidos no problema. Temos que trabalhar juntos para resolver e minimizar as dificuldades.
No futuro, imagino um Conselho com mais autonomia e recursos adequados para defender os direitos dos italianos no exterior.
Como analisa a atuação da representação brasileira no CGIE até aqui?
Os atuais conselheiros desempenharam um papel muito ativo até o momento, mas percebo que ainda existe a falta de comunicação dos projetos apresentados. Falta um canal de diálogo efetivo entre o Conselho e os Comites. O ideal é que todas as propostas e pautas relevantes sejam informadas às circunscrições por meio de um representante. Em função da pandemia, os encontros passaram a ser virtuais e de domínio público, com isso foi possível acompanhar melhor a plenária. Sou uma eterna otimista e acredito que os próximos anos serão diferentes, pois as pessoas têm acesso as informações e cobram respostas dos seus representantes. As redes sociais são um instrumento ágil e de fácil acesso a todos, portanto, logo saberemos quem trabalha ou não.
Desde que foi instituído o voto por correspondência no exterior, o CGIE ficou um pouco sem função, dizem. Na sua opinião é o CGIE que serve aos partidos e/ou parlamentares eleitos no exterior, ou o contrário?
O voto dos italianos no exterior é uma grande conquista. Poder participar da vida pública do nosso país significa muito para mim, mas reconheço que nem todos os italianos têm essa consciência e isso deve ser mudado. Devemos fazer um trabalho de educação cívica mais efetivo com os nossos cidadãos.
Eu acredito que há uma complementação dos papeis e uma colaboração mútua, pois ambos representam os interesses da comunidade. De um lado o CGIE que formula pareceres, propostas e recomendações de iniciativas legislativas e ou administrativas, e de outro, os parlamentares que podem apresentar os respectivos projetos de lei. Mas a essência do Conselho não é política, e sim de representatividade dos cidadãos. Entendo que com a redução dos representantes eleitos, o órgão passa a ter mais força, pois tem uma atuação mais efetiva, pois estará presente através dos Comites e das associações em todos os lugares, podendo assim, referir as necessidades da comunidade, sugerir e elaborar projetos pertinentes.
Sou absolutamente contrária à influência político-partidária nos órgãos associativos.
Ao longo da história do CGIE, que vem do final do século passado, que ações ou fatos podem ser enumerados como positivos para a comunidade italiana no mundo? Quais suas grandes falhas?
Muitas ideias foram propostas, mas de efetivo, podemos citar os encontros realizados ao longo dos anos visando agregar as novas gerações, como por exemplo os eventos de Brasília e Palermo. Este em especial, se revelou um congresso muito válido e organizado, cujos reflexos se percebem até hoje, fato que motiva as novas gerações de ítalo-descendentes.
Como se posiciona diante do direito de sangue de milhões de ítalo-brasileiros?
Para todos os descendentes de italianos, o maior direito a ser tutelado nesse momento é sem dúvidas, o Ius Sanguinis. Há anos observamos tentativas de “desmantelar” os procedimentos de reconhecimento da cidadania italiana. Não sou contra o Ius soli, pelo contrário, entendo que ambos os critérios podem conviver de forma pacífica em um ordenamento jurídico. Não são excludentes como se observa em muitos países. Porém, como atuo no Direito há mais de 20 anos, percebi que ao longo do tempo o sistema, seja ele administrativo ou jurídico, tenta obstacularilzar ou dificultar o cumprimento da lei e isso é um verdadeiro absurdo.
Precisamos trabalhar para que os cidadãos tenham um acesso mais rápido e digno aos direitos previstos em lei, mas também trabalhar fortemente para que as pessoas assumam uma identidade italiana, no que diz respeito a língua e a cultura, a participação na vida civil e nos processos eleitorais. Cidadania italiana não é só o passaporte e é nossa obrigação transmitir isso à comunidade.
Os próximos meses serão muito importantes, principalmente em função da tão esperada manifestação da “Corte di Cazzazione” no dia 12.07.2022.
Entendo que os cidadãos italianos e os descendentes são um recurso inestimável para a Itália. É uma grande oportunidade para promoção do Made in Italy, da cultura, da arte, do turismo e para o empreendedorismo.
Que diz do silêncio até aqui verificado do Cgie em relação ao crônico problema das filas da cidadania e tudo o que a ela se relaciona, incluindo a disparidade na ação consular sobre o tema?
Como sabemos, o CGIE é um órgão consultivo, mas que poderia atuar em colaboração com os Consulado, construindo soluções e alternativas aos problemas de cada circunscrição. Acredito que o problema das filas esteja mais relacionado a uma questão de eficiência ou ineficiência dos serviços consulares que foi acentuado principalmente pela falta de efetivo nas sedes dos nossos consulados, fator que se agravou ainda mais em razão da pandemia. Porém, entendo que existe também uma questão gerencial. Atuo na iniciativa privada, então, percebo que a lógica do serviço público é completamente diferente, carece de um preparo, metas e objetivos.
Neste sentido, criamos um grupo de trabalho com alguns juristas e especialistas para estudar a legislação vigente, com o objetivo de ampliar as contratações de prestadores de serviços com contratos locais e incentivar também a realização de concursos. Saliento ainda que temos muitos outros problemas além das filas, como a dificuldade de emissão de passaporte, registros de filhos ou atos da vida civil. Outra dificuldade gravíssima que enfrentamos são os registros dos documentos na Itália. Muitos consulados reconhecem as cidadanias, mas não transmitem os documentos para a transcrição nos respectivos municípios. Isso impacta diretamente na inscrição eleitoral. O voto é um direito previsto na Constituição Italiana, e quando isso acontece o cidadão acaba sendo tolhido do seu direito de coroar. Essa falha no sistema se repete em todas as eleições.
Que propostas apresenta, objetivamente, caso seja eleita?
• Trabalhar em colaboração com os demais membros em prol da comunidade.
• Proponho inicialmente a interlocução entre CGIE, Associações, Comites e Consulados para que sejam auferidos os principais problemas e consequentemente a propositura de soluções;
• Defender o direito ao reconhecimento da cidadania italiana com eficiência plena, combatendo a morosidade das filas através de propostas e colaboração com os consulados;
• Reforçar o papel das Associações, pois são a força da nossa comunidade;
• Fortalecer os vínculos entre as Câmaras de comércio e os Comites;
• Elaborar projetos para a difusão da cultura e do folclore italiano, envolvendo a municipalidade local;
• Incentivar a participação dos jovens organizando encontros locais, nacionais e internacionais;
• Disseminar a língua italiana nas escolas municipais em parceria com prefeituras, universidades e associações;
• Combater a discriminação de gênero ainda vigente no nosso ordenamento;
• Promover a descentralização dos serviços consulares, como por exemplo Florianópolis, Caxias do Sul e Cuiabá, que visam a emissão de passaportes, registro de filhos e variações de estado civil;
• Viabilizar e enaltecer os princípios da Carta dos cidadãos italianos no exterior: igualdade, imparcialidade, eficiência e transparência.