Por qual motivo a Itália não copia o sistema de emissão de passaportes do Brasil que funciona bem e é eficiente e sem filas? A pergunta é da arquiteta Silvia Alciati, uma das atuais três conselheiras do Brasil no CGIE – ‘Consiglio Generale degli Italiani all’Estero’, única candidata à reeleição no cargo cuja escolha acontecerá na assembleia eleitoral a ser realizada em Brasília no próximo dia 9. Sílvia é nascida na Itália mas desde pequena vive no Brasil, tendo sido já presidente do Comites – ‘Comitato degli Italiani all’Estero’ de Belo Horizonte e candidata ao Parlamento italiano nas eleições de 2018.

Ao falar dos serviços consulares italianos, ela diz que gostaria que o atendimento ao público “fosse prestado com educação e gentileza” e imagina inclusive, como ocorre com frequência na iniciativa privada, um sistema de pontuação para a avaliação dos serviços pelos usuários. Muitos ítalo-descendentes têm “medo de ir aos consulados” e acabam contratando serviços de terceiros, observa ela em tele-entrevista concedida ao editor da revista Insieme.

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Segundo Alciati, os consulados já testaram diversas formas de atendimento no setor de passaporte e, ultimamente, instituíram o agendamento por vídeo-chamada. Mas, segundo ela, as pessoas idosas não têm familiaridade com tecnologias modernas e, também existe o problema dos que não têm condições de ficar longos tempos tentando uma vaga nos reduzidos horários colocados à disposição do público. É necessário – diz ela – encontrar uma forma para que o atendimento consular possa ser “virtuoso”, pois “a gente sabe: funcionário público, se deixar, ele quer fazer o mínimo”.

Sílvia Alciati compete (o Brasil volta a ter quatro representantes) ao lado de pelo menos outros sete candidatos até aqui conhecidos: Ana Maria Cani – ES, Andrea Lanzi – RJ, Daniel Taddone – PE, Pasquale Pierrini – DF, Renato Sartori – SP, Stephania Puton – RS e Walter Antonio Petruzziello- PR, que anteriormente já desempenhou dois mandatos junto ao Conselho. São eleitores os 120 conselheiros dos sete Comites que funcionam no Brasil, mais representantes de 54 associações escolhidas pela Embaixada da Itália no Brasil.

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Durante a entrevista, Silvia abordou diversos assuntos de interesse da comunidade ítalo-brasileira, a começar pelas questões ligadas ao reconhecimento da cidadania ‘iure sanguinis’, atualmente questionada nas três esferas do governo italiano: Executivo (aí incluindo também os consulados e municípios sob orientação do Ministério do Interior), Legislativo (uma nova lei da cidadania está em debate no Parlamento, unificando todas as propostas existentes) e o Judiciário (a Suprema Corte de Cassação inicia dia 12 de julho próximo o julgamento de três recursos em que se debate a tese da Grande Naturalização brasileira e questões relacionadas à possibilidade de renúncia tácita da cidadania italiana por direito de sangue, naquela que já é chamada “a decisão do século” em matéria de cidadania italiana.

Ela se coloca plenamente favorável ao ‘ius sanguinis’, mas advoga a necessidade de solução para filhos de imigrantes nascidos em território italiano e, portanto, admite o chamado ‘ius scholae’ previsto no texto único da proposta que está em estudo na Comissão de assuntos constitucionais da Câmara dos Deputados. O problema da chamada cidadania “pelo lado materno” é outra “discriminação que nos faz sentir envergonha”.

Me senti mal diversas vezes” ao discutir esse tema no CGIE – diz ela – pois “temos uma mãe pátria que não reconhece suas mulheres”. Outra discriminação que ela condena é a “questão dos trentinos”, isto é, os descendentes de imigrantes de territórios italianos outrora pertencentes ao Império Austro-Húngaro. Ela advoga a reabertura de prazos pois, como está, “é como se eles fossem menos italianos que os outros”.

Para acelerar o atendimento às chamadas ‘filas da cidadania’ junto aos consulados, Alciati lança uma proposta: aos conselheiros dos Comites, que já desenvolvem um trabalho dativo, poderia ser confiada a tarefa de uma pré-apreciação dos pedidos, acelerando a verificação consular nos termos da lei. “Poderiam, inclusive, serem administrados cursos para o treinamento desses conselheiros:”, diz ela na entrevista.

Sílvia diz que o que lhe move “é a paixão”. Não pretendia se re-candidatar, mas em função da experiência adquirida ao longo do mandato, teria sido instada por amigos e conhecidos para que continuasse a colaborar e, então, “resolvi concorrer”. Como parte do mandato coincidiu com a pandemia da Covid, seria esta uma oportunidade de “desengavetar alguns projetos” que não foram adiante. A pandemia acabou sendo um freio em algumas atividades mas, por outro lado – segundo ela – favoreceu uma forma mais aberta e comunicativa de participação. As reuniões do órgão, feitas através de vídeo-conferência, estão todas gravadas e à disposição de quem quiser conferir.

Alciati entende que o papel do CGIE “é insubstituível”, mesmo após o surgimento da representação parlamentar dos italianos no exterior. O problema, segundo ela, é que os parlamentares eleitos no exterior dificilmente participam das reuniões do órgão, principalmente depois de resolvidas as nomeações no início dos mandatos, quando há interesses partidários na escolha de nomes. “Os partidos aparecem no início e, depois, em épocas eleitorais”, observa a arquiteta, que sentencia: “os problemas das comunidades não são nem de esquerda, nem de direita”.

Segundo Alciati, a Itália “precisa entender que vive um processo demográfico regressivo” e terá problemas de mão de obra. Por isso, pergunta se os que hoje procuram o reconhecimento da cidadania, sobretudo jovens, “não poderão ser um recurso muito importante nos próximos anos?”. Antes, entretanto, “seria necessário abrir a cabeça dos italianos”. Veja o que mais ela diz na entrevista que acompanha esta matéria e no texto em que a candidata responde, também por escrito, as perguntas formuladas:

O que motiva sua (re)candidatura?
Tenho anos de atuação na comunidade italiana, desde à criação e participação nas associações até o COMITES. Fui conselheira no último mandato do CGIE: foi uma experiência muito enriquecedora. Aprendi muito, trabalhei muito e posso dizer que este último CGIE, na pessoa de seu Secretário Geral Michele Schiavone, foi incansável e tentou tudo o que estava ao seu alcance, perante todos os problemas que foram ali submetidos, apesar de nem sempre ter obtido êxito.
Em dezembro muitos colegas em Roma me incentivaram a me candidatar novamente, assim como muitos membros Comites e muitas associações me perguntaram se eu estaria concorrendo, por confiarem na minha atuação. Quando surgiu a notícia da 4ª vaga, decidi então colocar novamente meu nome à disposição da Comunidade, de maneira cívica e a serviço de todos, na busca do atendimento das inúmeras demandas que ainda permanecem em aberto.

Como vê o papel do CGIE no sistema de representação institucional dos italianos no mundo?
Após a redução dos Parlamentares o CGIE precisa se fortalecer ainda mais, para conseguir dar voz e vez às demandas da Comunidade. Para isso precisa conseguir ser ouvido pelos ministérios e por todos aqueles que atuam políticas para os italianos no exterior, assim como manda a Lei, e estar mais próximo dos Parlamentares, com quem devem trabalhar em parceria. E me refiro não apenas aqueles eleitos no exterior; é importante que também os parlamentares eleitos na Itália sejam envolvidos. O número de italianos no exterior é muito alto para passar batido entre os Parlamentares na Itália!

Como analisa a atuação da representação brasileira no CGIE até aqui?
O CGIE nesses 30 anos teve 4 mandatos e no Brasil me lembro de cerca de 10 Conselheiros de lá pra cá. Acredito que com o tempo a representação brasileira vem se destacando em Roma, por empenho e objetividade nas intervenções de seus conselheiros, na participação e nas elaborações de propostas. Sou grata pelo que foi feito pelos colegas até aqui e também espero poder continuar contribuindo.

Ao longo da história do CGIE, que vem do final do século passado, que ações ou fatos podem ser enumerados como positivos para a comunidade italiana no mundo? Quais suas grandes falhas?
Acredito que o CGIE tenha desenvolvido um papel importante ao longo dos anos. Cada mandato teve seus destaques e suas falhas; acredito que não cabe a mim julgar seu feito.
Posso relembrar aqui a conquista da divulgação do Canal italiano da RAI no mundo como resultado da Conferência Mundial da Informação Italiana no Exterior no primeiro mandato, bem como o Seminário de valorização das Mulheres na Emigração, a luta e a conquista pelo direito ao voto com o Ministro Mirko Tremaglia iniciada no primeiro mandato e obtida durante o segundo mandato, bem como a primeira Conferencia dos Italianos no Mondo em Roma em 2000 e a Conferencia entre Estado Regiões e Províncias autônomas e o CGIE no segundo mandato, bem como a Conferencia que envolveu 400 Jovens italianos no Mundo em 2008 e os Estados Gerais da Língua Italiana no mundo em 2014 no terceiro mandato.
No último mandato tivemos um secretário Geral hiperativo e incansável, que realizou inúmeros feitos, Conferências e seminários sobre a imprensa e informação, a valorização das mulheres na emigração, encontros com comissões parlamentares, com o ministério para a proteção social e sanitária dos cidadãos italianos no exterior, principalmente durante a pandemia, e finalmente a reedição da Conferência entre Estado Regiões e Províncias autônomas e o CGIE, que não acontecia desde 2005. Mas acredito que o marco deste último mandato esteja certamente ligado à realização do Seminário dos Jovens em Palermo, que também soube ir de encontro às demandas do que na Itália foi chamado de “fuga dos cérebros”, com muitos jovens que deixam a Itália em busca de novas oportunidades no exterior, favorecendo sua integração com os jovens italianos de 2ª, 3ª e 4ª gerações, proporcionando um processo de formação para uma participação mais efetiva.
Quanto às falhas do CGIE … não me sinto a vontade para criticar. Acho que em todos os mandatos o CGIE tentou atender aos anseios da Comunidade. Como o órgão é consuntivo, nem sempre ele foi ouvido e nem sempre suas propostas foram acatadas, mas isso não se deve à suas falhas. Podemos talvez dizer que o CGIE em algumas batalhas foi derrotado. E me refiro neste último mandato à aprovação da redução dos parlamentares, apesar da posição totalmente oposta por parte do CGIE.
E para o futuro eu sugeriria ao CGIE trabalhar envolvendo não apenas os Parlamentares eleitos no exterior, mas que tentasse envolver também a opinião pública e os Parlamentares Italianos, sensibilizando estes sobre a importância também dos temas inerentes as necessidades dos italianos no exterior.

Desde que foi instituído o voto por correspondência no exterior, o CGIE ficou um pouco sem função, dizem, e também um pouco à deriva de partidos. Na sua opinião é o CGIE que serve aos partidos e/ou parlamentares eleitos no exterior, ou o contrário?
Não concordo com sua afirmação. Acho que o CGIE tem um papel importante na estrutura da representação italiana no exterior, dialogando, opinando e propondo soluções para todos os que atuam políticas relacionadas aos italianos no exterior, ação que não é possível ser exercida apenas pelos Parlamentares.
Quanto a influência dos partidos no dia a dia do CGIE, percebi isso de maneira bastante intensa no primeiro dia, para a escolha do Secretário Geral e dos principais cargos, mas depois, no dia a dia, a tarefa mais complexa ocorre na discussão com os diferentes ministérios que podem estar na mão deste ou daquele partido, mas não existe influência parlamentar ou partidária.

Como se posiciona diante do direito de sangue de milhões de ítalo-brasileiros?
A lei que prevê o reconhecimento da cidadania italiana pelo ius sanguinis é algo profundamente enraizado na cultura do italiano. Não acredito que este direito possa ser alterado. Esta Lei beneficia não apenas ítalo-brasilieros, mas todos os descendentes de italianos no mundo, com muitos pretendentes principalmente na América Matina, mas também nos Estados Unidos e na Austrália. E tendo em vista a drástica redução da natalidade na Itália, acredito que estes descendentes podem se tornar um recurso e uma alternativa importante no futuro.

No caso específico do Brasil, que diz da atuação do CGIE em relação ao crônico problema das filas da cidadania e tudo o que a ela se relaciona, incluindo a disparidade na ação consular sobre o tema?
Muito foi tentando para solucionar as filas da cidadania no Brasil. Foi solicitado para a Embaixada a elaboração de um Vademecum em comum a ser adotado por todos os Consulados, mas ficou pior do que esperávamos, então foi descartado. Foi tentada a resolução dos problemas do Prenota com os técnicos informáticos da Farnesina para melhorar as defesas do sistema contra os hackers e vendedores de vagas; foi denunciada a falta de um número suficiente de funcionários para atender às demandas nos Consulados, e exigida a realização de concursos para novas contratações; foi reclamada a suspensão do atendimento às cidadanias durante a pandemia, sugerindo que os documentos passassem a ser enviados pelo correio; foram denunciadas as atuações de intermediários na Itália que “vendem” cidadanias por meio de facilitações oferecidas por funcionários de alguns Comunes na Itália; e foi até encaminhada uma proposta de reforma de lei para eliminar a discriminação contra as mulheres na transmissão da cidadania, bem como para reabrir a oportunidade aos Trentinos de solicitar novamente o reconhecimento de sua cidadania.
Considero que o CGIE tenha tentado de tudo!!! Porém nem sempre os interlocutores estão dispostos a dialogar e a ceder, chegando a um consenso.
O CGIE não tem o poder de legislar e para isso precisa que os Parlamentares comprem suas ideias. Porém em função das inúmeras crises de governo que nosso país vive, o assunto cidadania não foi considerado prioritário a até o momento ainda não conseguiu as condições para abrir um debate sério e respeitoso sobre o tema sem ameaçar uma queda de governo.

Que propostas apresenta, objetivamente, caso seja eleita?
(Conferir no anexo)