O advogado italiano Alessandro Mignacca comenta o julgamento da "Corte Suprema di Cassazione" do dia 12 de julho próximo, sobre questões ligadas à Grande Naturalização brasileira. (Montagem Insieme sobre fotos cedidas)

Tanto a Ministério Público quanto o escritório patrocinador do recorrido de um dos processos que serão julgados no dia 12 próximo pela Corte Suprema di Cassazione, em Roma, solicitaram que a audiência seja realizada de forma pública, “para debater, por trattazione orale, a problemática jurídica da Grande Naturalização, tendo em vista a relevância da matéria constitucional” e “de forma a garantir o real contraditório da questão apresentada”.

A afirmação é do advogado italiano Alessandro Mignacca ao escrever para Insieme sobre as expectativas que cercam o julgamento que envolve a tese da Grande Naturalização brasileira levantada pela ‘Avvocatura dello Stato’ para negar o reconhecimento da cidadania italiana ‘iure sanguinis’ a descendentes de imigrantes que no Brasil se encontravam ao nascer do governo republicano, no final do século 19. Pela tese, mais de dois terços de todos os ítalo-brasileiros não teriam direito à cidadania italiana.

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Alessandro é fundador do Escritório Mignacca de Advocacia, com sede em Roma, patrocinador de um dos dois processos em grau de recurso que provocaram a antecipação de julgamento convocada pela Suprema Corte italiana. Ele informa que o trabalho de defesa vem sendo desenvolvido em conjunto com o professor e advogado Leo Piccininni, que é professor de Direito Processual Civil da Universidade ‘Roma 3’.

A Corte havia definido que, em função das normas anti-Covid19, “o processo seria julgado em ‘Câmara de Conselho’, logo, sem a participação dos defensores e Procura Generale, salvo se apresentado pedido expresso por uma das partes cidadãs, com antecedência de 25 dias corridos da audiência”, explica o advogado. O pedido da Procura Generale foi apresentado dia 07/06 e, logo a seguir, no dia 13/06, “firmemente convencido da necessidade de ‘trattazione orale’ (argumentação oral)”, a defesa “endossou as razões apresentadas por parte da Procura Generale”.

Em seu artigo, o advogado informa que, para a Procura Generale, “a solução interpretativa dada pela Corte di Appello se distanciou da orientação jurisprudencial anterior e das regras e princípios consolidados ao longo dos últimos 150 (cento e cinquenta) anos, os quais acentuaram um conceito “forte” de cidadania capaz de perdurar ao longo de várias gerações como símbolo do enraizamento profundo dos emigrantes com a Itália”.

O artigo também faz referência a aspectos políticos e administrativos que “uma eventual sentença de improcedência poderia comportar”, assegurando, entretanto, que ela não geraria “nenhum efeito automático sobre as cidadanias obtidas de forma administrativa”, ou seja, através dos consulados.

“Faremos tudo que está em nosso alcance – escreve o advogado -, sabendo que o princípio jurídico, objeto da decisão das Sezioni Unite, superará a dimensão do caso específico que nos levou até o privilégio de encarar este histórico desafio”. A seguir, o texto, escrito em português:

“Primeiramente, gostaria de agradecer a oportunidade de falar a respeito desta audiência tão esperada – especialmente para todo o ecossistema ítalo-brasileiro – e de poder compartilhar algumas atualizações. Nosso escritório representa uma das partes chamadas em causa na audiência que terá lugar no dia 12 de julho deste ano (2022) e que definirá a aplicabilidade da tese da Grande Naturalização, mas até o presente momento, consideramos como inoportuna qualquer tipo de manifestação anterior em relação ao caso.

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Desde a chegada da sentença negativa de apelação, restou imediatamente clara a necessidade de levar o assunto até a terceira instância, no caso, a Corte di Cassazione. Desde então, o Studio Legale Mignacca está envolvido em um percurso de estudo, aprimoramento e consolidação das posições jurídicas que serão debatidas perante a Egrégia Corte. Importante ressaltar, ainda, que esse trabalho vem sendo desenvolvido em conjunto com o professor e advogado Leo Piccininni, que é professor de Direito Processual Civil da Universidade ‘Roma 3’.

Vale compartilhar nesta sede que, relativamente à audiência de 12 julho, a Corte di Cassazione comunicou às partes, em data 11 de maio passado, que – em conformidade da disciplina o Art. 23 8 bis da Lei 137 de 2020, emendada pela Lei 178 de 2020, a qual disciplinava medidas urgentes em matéria de Covid19 – o processo na própria Corte di Cassazione seria julgado em “Câmara de Conselho”, logo, sem a participação dos defensores e Procura Generale, salvo se apresentado pedido expresso por uma das partes cidadãs, com antecedência de 25 dias corridos da audiência. Ressalta-se, a tal respeito, que a aplicação desta normativa não se operou arbitrariamente e, por isso, a comunicação por trattazione scritta não deve ser considerada como uma tentativa de privar as partes de comparecer na audiência, mas tão somente como uma aplicação automática de uma disposição normativa relativa ao caso específico.

Como esperado, a Procura Generale da Corte di Cassazione, em data 7 de junho deste ano, apresentou uma instância para a realização de audiência pública para debater, por trattazione orale, a problemática jurídica da Grande Naturalização, tendo em vista a relevância da matéria constitucional (estado de cidadão). Segundo consta no referido documento, a audiência oral seria capaz de garantir o real contraditório da questão apresentada, visto que – conforme destacado pela Procura Generale – a solução interpretativa dada pela Corte di Appello se distanciou da orientação jurisprudencial anterior e das regras e princípios consolidados ao longo dos últimos 150 (cento e cinquenta) anos, os quais acentuaram um conceito “forte” de cidadania capaz de perdurar ao longo de várias gerações como símbolo do enraizamento profundo dos emigrantes com a Itália, apesar da abrangência das políticas migratórias dos Estados receptores (…)”.

O Studio Legale Mignacca, firmemente convencido da necessidade de trattazione orale endossou as razões apresentadas por parte da Procura Generale e depositou, em 13 de junho, instância requerendo a realização da audiência pública (em ausência de instâncias de outras partes, teríamos nos manifestando antes do prazo previsto de 25 dias corridos).

Pode-se dizer, ao que se refere às inúmeras expectativas quanto à decisão que emergirá das Sezioni Unite, as mesmas – intimamente positivas – correm o risco de figurarem como elemento de distração, haja vista que a decisão é deixada à máxima expressão de salvaguarda do interesse comum. Sendo assim, é razoável depositar confiança e bom intuito em relação ao julgamento.

Destaca-se, no caso, o papel fundamental da Corte di Cassazione para estabilização de entendimento e solução de controvérsias. Tanto é assim que não é a primeira vez que a Egrégia Corte se pronunciará sobre questões relativas à cidadania italiana, a exemplo disso temos o julgamento da Corte di Cassazione di Napoli, de 1907, o qual deu uma orientação definida sobre as disposições do art. 11 do decreto de 1865; ao mesmo tempo releva considerar que sem a pronúncia da Corte di Cassazione, não teríamos a possibilidade de ingressar com os procedimentos judiciais por “via materna”.

Nesse contexto, a chegada à terceira instância hoje em dia é, portanto, harmônica e natural, especialmente se considerada a funzione nomofilattica desempenhada pela própria Corte di Cassazione (garantir a observância exata e a interpretação uniforme da lei, a nível nacional) tendo em conta a excêntrica disparidade atual de tratamento entre os processos em apelação e os procedimentos administrativos aplicados pelos Consulados Italianos, que seguem o próprio percurso, mas também a suspensão (que investe também os requerentes que nem entraram na grande naturalização) por parte de muitas prefeituras italianas, com base na circular do Ministério do Interior.

Outrossim, as relevantes implicações que uma eventual sentença de improcedência poderia comportar não podem ser ignoradas, pois além dos aspectos jurídicos, também existem os aspectos:

i) Políticos: do ponto de vista do relacionamento diplomático entre os dois países, Itália e Brasil;

ii) Administrativos: aclarado e ressaltado que uma eventual sentença de improcedência não gerará nenhum efeito automático sobre as cidadanias obtidas de forma administrativa (através do Consulado ou por residência na Itália), o agir administrativo – que não é previsível – terá que passar por uma pressão relevante, de modo a verificar os interesses envolvidos e consequências econômicas, além das previsíveis e lícitas reações do mundo ítalo-brasileiro, a todos os níveis.

Diante todo o exposto, portanto, independentemente do êxito, é inegável que a audiência prevista para o dia 12/07/2022 definirá de forma absoluta o direito ao reconhecimento à cidadania italiana, tornando finalmente todos – ou uma parte – dos descendentes de italianos imigrados ao Brasil, qualificados e protagonistas dos acontecimentos jurídicos da Itália ao mais alto grau de pronúncia jurisprudencial.

Por nossa parte, finalmente, podemos assegurar que faremos tudo que está em nosso alcance, sabendo que o princípio jurídico, objeto da decisão das Sezioni Unite, superará a dimensão do caso específico que nos levou até o privilégio de encarar este histórico desafio.”