Reprodução de despacho do MP/SP envolvendo o Decreto da Grande Naturalização brasileira de 1889.

“Que o autor esclareça se pretende manter o pedido de retificação para constar a informação de que ‘Giovanni’ (o nome é fictício) era italiano, trazendo aos autos documento que comprove seu pedido de opção pela manutenção da nacionalidade de origem, tendo em vista que estava estabelecido no Brasil em 15 de novembro de 1889, conforme documento de fl. 33, quando estabelecida a naturalização tácita prevista na Constituição de 1891”.

Assim o Ministério Público do Estado de São Paulo (3ª Promotoria de Justiça Cível) , finaliza sua manifestação em processo de Retificação de Registros Civis que corre na 4ª Vara Cível do Foro Regional do Jabaquara, onde um cidadão ítalo-brasileiro pede, entre outras coisas, a “correção de erros de grafia do nome de seu bisavô”. O despacho tem a data de 25 de outubro de 2021.

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A solicitação do MP/SP, segundo o advogado Cristiano Girardello, especialista no assunto, “é inusitada; nunca vi isso”, disse ele à Revista Insieme, onde recentemente publicou uma série de artigos sobre retificações. “Mas precisaria ver o processo inteiro para emitir uma opinião acertada sobre o ocorrido”, completou.

De qualquer forma, a solicitação aparentemente faz coro à tese ressuscitada pela ‘Avvocatura dello Stato’ italiano que coloca a GN – Grande Naturalização brasileira como óbice ao reconhecimento da cidadania italiana ‘iure sanguinis’ a todos os descendentes de imigrantes chegados ao Brasil antes de 15 de novembro de 1889. A tese, normalmente rejeitada pela Justiça italiana, inclusive em segundo grau, obteve sucesso em dois processos na ‘Sezione Famiglia’ da ‘Corte d’Appello’ de Roma.

Com base nesses dois acórdãos, os Ministérios do Interior e das Relações Exteriores do governo italiano passaram a sugerir a municípios e consulados italianos o sobrestamento de processos envolvendo ítalo-descendentes cujos ancestrais chegaram no Brasil antes do Decreto da GN. Estes, segundo os dados disponíveis do IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, representariam cerca de dois terços do total de italianos aqui chegados em todos os tempos.

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Normalmente, no Brasil, o Decreto da GN não tem sido levado a sério. A todos os ítalo-brasileiros hipoteticamente atingidos pela norma editada no alvorecer da República brasileira, o Estado brasileiro tem fornecido a CNN – Certificado de Não Naturalização. Tal documento, entretanto, não foi considerado nos referidos dois acórdãos da justiça italiana de segundo grau.

Para tranquilizar, o advogado Girardello disse que pode ter havido falhas no pedido (confusão entre os conceitos de nacionalidade e naturalidade) ou mesmo na petição inicial (pedido de inclusão ou modificação de nacionalidade sem apresentação da CNN) e que a posição expressa neste processo não significa um entendimento generalizado do Ministério Público sobre o caso. “O MP é absolutamente anárquico no que diz respeito à sua participação e poderes exercíveis em ações da lei de registros públicos”, repete Girardello, em consonância com opinião exarada por ele, inclusive, na última edição da revista Insieme.