Embora reafirmando que se trata de “uma posição inusitada e isolada” do Ministério Público, o advogado Cristiano Girardello não deixa de manifestar preocupação sobre o parecer emitido pela 3ª Promotora de Justiça Cível do Jabaquara, em São Paulo, emitido num processo de retificação de dados de um ítalo-brasileiro, pedindo que ele comprove a opção pela cidadania italiana de seu ancestral. “Podemos estar diante da exigência de uma ‘prova diabólica’”, diz Girardello.
Esta opção solicitada pela promotoria seria um documento que todo o estrangeiro que estivesse em desacordo com a naturalização ‘tácita’ deveria fazer, dentro de um prazo determinado, mediante a anotação de sua opção em livros próprios junto aos municípios brasileiros. Em outras palavras, o estrangeiro devia dizer claramente que não abria mão de sua cidadania originária.
O despacho tem data de 25 de outubro de 2021 e, de certo modo, faz coro à tese ressuscitada pela “Avvocatura dello Stato” italiano que coloca a GN – Grande Naturalização brasileira do governo provisório da República como óbice ao reconhecimento da cidadania italiana ‘iure sanguinis’ a todos os descendentes de imigrantes que chegaram no Brasil antes do final de 1889. O assunto envolveria cerca de dois terços de todos os ítalo-brasileiros atuais, calculados em 32 milhões pela própria Embaixada da Itália no Brasil.
Embora sempre rejeitada na justiça de primeiro grau italiana (e também na de segundo grau), a tese da GN obteve duas vitórias recentes numa Vara de Família da “Corte d’Appello” de Roma e, a partir disso, os Ministérios do Interior e das Relações exteriores passaram a sugerir às ‘comunas’ (Municípios) italianas e aos consulados italianos no Brasil o sobrestamento de processos cujos requerentes poderiam ser enquadrados nos argumentados óbices da GN.
A tese que foi rejeitada em toda a Europa, incluindo a própria Itália (há uma decisão da Suprema Corte de 1907 neste sentido), também não é reconhecida pelo próprio Brasil, que segue fornecendo CNN – Certidão Negativa de Naturalização a todos os descendentes de imigrantes chegados anteriormente à GN. Por isso, a solicitação realizada por uma agente do Ministério Público soou estranha.
Ná edição deste mês da Revista Insieme, Girardello, que é Mestre em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais, já antecipou que pode ter havido falhas no pedido (confusão entre os conceitos de nacionalidade e naturalidade) ou mesmo na petição inicial (pedido de inclusão ou modificação de nacionalidade sem apresentação da CNN) e que a posição expressa neste processo não significa um entendimento generalizado do Ministério Público sobre o caso.
Após estudar o processo (ele teve acesso aos autos, pois não correm em segredo de justiça), o advogado repetiu, durante vídeo entrevista exclusiva, que “o MP é absolutamente anárquico no que diz respeito à sua participação e poderes exerciveis em ações da lei de registros públicos”. Então, não há que se falar em tendência. Dentre as falhas que observou no processo, está o fato de já constar nos documentos apresentados pelo peticionário a prova da nacionalidade italiana de seu ancestral.
Diante disso, e estranhando o despacho, Girardello se pergunta: Estaria a promotora se referindo à ausência da CNN? Ou estaria a promotora se referindo à ausência de confirmação da nacionalidade originária, conforme a exigência do Decreto 58-A? Não fica claro, diz ele, que segue o argumento nos seguintes termos: “Se for referente à CNN, a promotoria tem razão, entretanto, não no caso concreto, porque já está escrito no registro histórico que o cidadão é italiano. Ou seja, a promotora não leu o registro histórico”.
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Se, entretanto, a promotoria se refere à declaração do Decreto 58-A, “aí caímos naquilo que em Direito chamamos de ‘prova diabólica’, isto é, que a parte não terá nunca como provar”, pois “a prova simplesmente não existe”. Se isso virar orientação do MP, segundo Girardello, seria “uma questão temerosa para os ítalo-brasileiros”.
Em suas pesquisas, o advogado explica que um único município do Brasil teria feito o livro sobre o qual deveriam constar as declarações de opção pela cidadania originária dos que discordassem da GN. “Na prática, esses livros não foram instituídos”, pois o governo brasileiro não queria dar margem alguma para o estrangeiro escapar de um alistamento eleitoral compulsório se assim o desejassem os donos da terra”, observa Girardello.
A matéria foi objeto de três decretos sucessivos, editados pelo Governo brasileiro em questão de meses, dispensando e abolindo os tais livros, e “igualando o alistamento eleitoral, ou a exibição do título de eleitor, à própria naturalização”. Por isso