Além de ter rejeitado seu pedido de reconhecimento de cidadania italiana por direito de sangue, uma ítalo-brasileira acaba de ser condenada a pagar as despesas judiciais de primeiro e segundo graus, no total de seis mil euros(equivalentes, na conversão de hoje, a cerca de R$36.261,29) mais honorários advocatícios. A decisão é da Sessão Cível da Corte d’Appello de Roma ao julgar recurso impetrado pelos advogados do Estado italiano em nome dos Ministérios do Interior e das Relações Exteriores e Cooperação Internacional.

O conteúdo da decisão foi depositado ontem (03/02) na chancelaria do tribunal, no bojo do processo 1903/2020 RGAC. A ítalo-brasileira em questão havia obtido o reconhecimento de sua cidadania iure sanguinis em primeiro grau. Além de considerações envolvendo a chamada GN – ‘Grande Naturalização’ brasileira, a decisão inova ao se basear em declaração da requerente sobre sua cidadania brasileira ‘ius soli’ que, no entender da Corte, equivaleria a uma renúncia expressa da cidadania italiana ‘iure sanguinis’.

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Para o advogado e estudioso das questões ligadas à GN, Cristiano Girardello, a decisão vai além da já absurda tese da Grande Naturalização, construindo uma tese “ainda mais deletéria para todos os ítalo-descendentes”, uma vez que considera as auto-declarações feitas por pessoas numa determinada linha de descendência equivalentes à renúncia da cidadania italiana”. “É uma tese absurda e ainda mais abrangente do que a tese da GN”, afirma o advogado.

Consultado por Insieme para falar a quente sobre o assunto, Girardello disse, ainda na noite de ontem, entender que a decisão tomada em colegiado é “completamente equivocada” e a denunciar que “há uma motivação política por detrás de tudo isso”.

Essa “jurisprudência claudicante”, segundo o advogado, “deve refletir muito bem as orientações políticas dos julgadores (…) pois sabemos que por detrás disso existe, infelizmente, uma orientação política” e não jurídica.

Na entrevista, Girardello demonstra sérias preocupações sobre a sorte de milhões de ítalo-brasileiros, ainda mais agora diante das alterações introduzidas no Código de Processo Civil  italiano, em que as ações passarão, a partir de julho, a ser distribuídas aos vários tribunais ordinários “para juízes que não estão familiarizados com esse tipo de causa” e que “vão se espelhar nestas decisões” de grau superior.

Dizendo que o momento exige uma tomada de posição em várias frentes em defesa dos interesses de milhões de ítalo-brasileiros, o advogado Girardello critica alguns de seus próprios colegas, mais preocupados em ganhar dinheiro que, de fato, defender o direito de seus clientes.

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Os advogados devem, segundo Girardello, trabalhar no mérito das causas, e não, como frequentemente ocorre, em cima do que ele chama de “ações-formulários”, um copie-e-cole com apenas a troca de nomes e datas. “Diante de um cenário que está se tornando complicado, os advogados precisam trabalhar no mérito da causa (…) O copia-e-cola pode ter funcionado muito bem até as primeiras decisões da Sessão de Família”,  disse Girardello, “depois disso, estamos correndo risco, sim”.

Girardello formula algumas considerações voltadas aos diretamente interessados. Uma delas, é contratar advogados que se responsabilizem pelo processo até o final, não apenas na primeira instância e que “advogados cassacionistas” (habilitados a sustentar além do primeiro grau), dentro de um contrato que preveja a solução final do caso para não serem surpreendidos com “continhas impagáveis”. Outra consideração de Girardello é que os interessados “participem da construção de seus próprios processos”.

Acima de tudo, o advogado Girardello entende que a comunidade ítalo-brasileira, “nós, precisamos tomar posição”. “O bicho está pegando – vamos colocar em linguagem do povão – o bicho está pegando” diz o advogado.Veja a entrevista para saber mais.