Com toda a experiência que tem sobre as questões jurídicas e políticas que envolvem a comunidade ítalo-brasileira, o advogado Walter Antônio Petruzziello é peremptório ao declarar: “É hora de alguém tomar alguma providência (…) não dá para ficar calados, isso ainda vai causar muitos danos à grande comunidade italiana que vive no Brasil”.
Petruzziello se refere à tese ressuscitada pela ‘Avvocatura dello Stato’ italiano que pretende colocar a GN – Grande Naturalização brasileira do início da República como elemento obstativo à obtenção do reconhecimento da cidadania ‘iure sanguinis’ a todos os descendentes de imigrantes italianos aqui chegados antes de 1889. Ele acha que é necessário que a comunidade italiana e, principalmente, todas as instâncias representativas dessa comunidade assumam posição pois, a se confirmarem os movimentos até aqui percebidos, “teríamos um caos completo”.
Em cima de apenas duas decisões de segunda instância da Justiça italiana, já há orientação política dos Ministérios do Interior e das Relações Exteriores a municípios italianos e a consulados no sentido de sobrestar processos em análise de ítalo-descendentes cujos ascendentes tenham chegado ao Brasil antes do decreto da GN.
Petruzziello falou como um dos coordenadores do recém-criado ‘Italianità in Movimento’ – um grupo nacional que organizou chapas para concorrer nestas eleições dos Comites – ‘Comitato degli Italaliani all’Estero’, em seis das setes circunscrições consulares italianas do Brasil, durante vídeo-entrevista à Revista Insieme. A entrevista, ao lado de dois candidatos da chapa da circunscrição de Curitiba – Ricardo Trento, e Dario Romoli – foi uma das últimas da série que procurou ouvir todas as chapas concorrentes no Brasil.
As eleições para a renovação dos Comites ocorrem por correspondência, envolvendo 120 conselhos em todo o mundo. Devem ser concluídas no dia 3 de dezembro próximo, mas somente poderão votar eleitores devidamente inscritos no Aire (o cadastro de eleitores italianos que vivem no exterior) que se inscreverem até quarta-feira próxima (3/11).
Durante a entrevista, os convidados externaram considerações pessoais e também traçaram prioridades que a chapa elegeu para a próxima gestão do Comites da segunda maior circunscrição consular do Brasil, que abrange os Estados do Paraná e de Santa Catarina. Língua e cultura estão entre os principais objetivos.
O candidato Ricardo Trento fala numa grande ação para “trazer para a Itália do século XXI” as comunidades italianas da circunscrição que “muito bem mantiveram até aqui as tradições, festas e inclusive a língua dialetal”, mas que “se reúnem em torno desse imaginário, dentro ainda do século XIX”.
“Precisamos trazê-las para a Itália de hoje”, argumentou Trento – um ítalo-catarinense que atua profissionalmente no setor cultural e, segundo disse, teve sua cidadania italiana ‘iure sanguinis’ reconhecida em 2016, após uma longa espera na fila.
A falta de estrutura consular para um atendimento melhor à comunidade também foi tema da entrevista. Curitiba, hoje com mais de 100 mil inscritos, está com a mesmo número de pessoas trabalhando no consulado quando, há vinte anos, contava com apenas cerca de 20 mil inscritos.
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O advogado Walter Petruzziello, respondendo a pergunta inicialmente dirigida a Trento, foi bastante duro nas críticas à representação parlamentar dos ítalo-brasileiros nos últimos anos. “Elegemos parlamentares que pediram desculpas por não saber falar italiano e passaram cinco anos sem nada fazer”, disse Petruzziello, que foi por diversas vezes candidato ao Parlamento.
Ele citou “parlamentares que se elegeram (e depois não se reelegeram) e que montaram empresas de cidadania para prestar assessoria paga a seus representados”, disse ele: “Isso não podemos mais aceitar, isso a comunidade não deveria aceitar”, enfatizou Petruzziello, dizendo que fala isso “com mágoa no coração”.
Os entrevistados falaram bastante em “direitos e deveres” e observaram que muitas pessoas, depois de conseguir a cidadania reconhecida, somem do mapa e sequer atualizam seus dados perante o consulado. Ricardo Trento entende que o Comites, além do papel de “intermediação e de interlocução entre a comunidade e as instituições”, tem também um papel importante na informação e na formação da cidadania responsável.
OBS: Por problemas de ordem técnica na parte do som, alguns trechos da vídeo-entrevista (incluindo o debate sobre a taxa da cidadania) foram cortados.