Comites: Como votar sem a cédula eleitoral? Baixa participação em todo o mundo. Mas ainda não é tudo

Com somente cerca de 15 mil eleitores qualificados para o voto nestas eleições dos Comites – ‘Comitati degli Italiani all’Estero’ nas sete circunscrições consulares italianas do Brasil, mesmo assim o processo eleitoral está dando o que falar em termos de organização e eficiência. Embora existam queixas em diversas circunscrições, o maior número de reclamações se concentra na área do Consulado do Rio de Janeiro, que engloba também o Estado do Espírito Santo.

Da área do Rio Insieme recebeu pelo menos três vídeos de eleitores que, abrindo o envelope eleitoral, não encontraram a cédula de votação. Um deles é o próprio presidente atual do Comites, Andrea Lanzi, que é também presidente do Intercomites do Brasil – o órgão que congrega os sete Comites em funcionamento. “Só falta a cédula eleitoral”, exclama ele no vídeo que enviou à nossa redação.

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Envelopes contendo material relativo às últimas eleições (referendo do ano passado), outros sem a cédula eleitoral; pessoas que se inscreveram, não receberam nenhum óbice por parte dos consulados e não estão na lista eleitoral; eleitores antigos que, embora igualmente inscritos para estas eleições, “desapareceram” da lista; eleitores eliminados devido à apresentação de documento brasileiro considerado “velho” (mais de dez anos) que, num segundo tempo, foram considerados aptos enquanto outros não, e até mesmo um caso de cédula eleitoral de 2015 dentro do envelope eleitoral de 2021.

Mais: “Aqui no Espírito Santo duas pessoas que compõem uma chapa não estão na lista eleitoral, o mesmo ocorrendo em relação à outra chapa, que inclui uma pessoa que também não está na lista de votantes”, escreve uma eleitora ítalo-capixaba.

Em Minas Gerais, “gente que não se inscreveu para votar recebeu do consulado o envelope eleitoral”, conta outro eleitor ítalo-mineiro, enquanto em Santa Catarina há a informação de que quatro eleitores de uma mesma família receberam o material eleitoral em duplicata: “Quatro eleitores de uma família de Joinville já tinham votado e depositado seus votos de volta no correio; hoje, de surpresa, o correio entregou quatro novos envelopes com cédulas novas para votar”, relata outra fonte de Insieme.

As reclamações dos eleitores e candidatos se concentram principalmente “na bagunça” das listas de eleitores, fruto da chamada “inversão de opção”. Em Brasília, por exemplo, “muitos, mas muitos mesmo” – segundo uma fonte de Insieme – que se inscreveram para o voto não figuram na lista eleitoral distribuídas aos candidatos.

Ex-presidente do Comites de Curitiba, onde permanece conselheiro, o advogado Walter Petruzziello narra um caso estranho: uma eleitora lhe enviou a fotografia de uma cédula relativa às eleições de 2015, quando ele era candidato; estava, segundo disse, dentro do envelope eleitoral deste ano. Também no Espírito Santo foi encontrado material relativo à última consulta eleitoral aos italianos no exterior (o referendo do ano passado).

O único Comites onde até agora não contaminado pelas reclamações é o de Porto Alegre. A presidente Rosalina Zorzi informa que não tem conhecimento de alguém que já tenha recebido o material eleitoral em seu endereço. No Distrito Federal, consta que o cabeça da chapa ‘Giustizia e Libertà” está realizando um “completo relatório” da situação.

Em Minas Gerais, a candidata Maria Rosaria Barbato, da chapa ‘Giustizia e Libertà’ explica que, dentre os que já receberam o material eleitoral, os relatos mais frequentes são referentes à inscrição, “o fato que as pessoas, ao enviar os documentos e receber o recibo relativo, não tenham informação sobre o êxito da inscrição”. “Varias pessoas – disse ela – relataram de ter tido problema com a inscrição por não ter sido registrados nas listas eleitorais do ‘Comune’ de origem. Nos casos em que atuamos verificamos que, apesar do Consulado ter enviado a PEC certificada com a documentação, o Comune por alguma razão ficou inerte”.

É “lamentável – aduz Barbato – que as pessoas estejam descobrindo isso no meio de um processo eleitoral, com prejuízo ao direito de votar, pois, pelo visto, a grande maioria não conseguirá resolver em tempo hábil. De acordo com quanto nos informado, às vezes o ‘Comune’ demora para responder ao pedido de esclarecimento do Consulado e, as vezes, nem sequer responde, gerando situações de retrabalho para o próiprio Consulado, numa situação já caraterizada por sobrecarga de demandas administrativas. Os Comites terão que refletir sobre este problema relativo ao exercício pleno da cidadania e pensar e orientar soluções que permitam ao cidadão de ficar ciente dentro dum prazo curto da finalização da inscrição nas listas do Comune”.

O índice de participação nestas eleições dos Comites é ainda inferior ao alcançado em 2015, quando foi estabelecida a chamada “inversão de opção”, que obriga o eleitor já inscrito no Aire (o cadastro dos eleitores italianos no exterior) a realizar uma outra inscrição para poder exercer seu direito. No Brasil, apesar do aumento do número de eleitores inscritos no Aire, o número final de considerados aptos ao exercício do voto seriam 15.262 apenas, assim distribuídos: 5.169 em São Paulo; 4.331 em Curitiba; 533 no Distrito Federal; 1.293 em Belo Horizonte; 2.048 no Rio de Janeiro; 1.318 no Rio Grande do Sul e 574 no Recife.

No Uruguai, segundo informa “Gente d’Italia”, 4.691 são os inscritos, representando 4% sobre o total dos cidadãos inscritos no Aire. Em todo o mundo, onde poderiam votar quase cinco milhões de cidadãos (4.732.741, segundo números oficiais da Farnesina), apenas 177.835 cidadãos se registraram para votar, ou seja, 3,76% do total de eleitores. O resultado é praticamente um ponto percentual mais baixo que em 2015, considerando que desde então o número de eleitores em todo o mundo cresceu cerca de um milhão, segundo algumas fontes.

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Ainda assim, o maior índice acontece na América do Sul, com a média 6,28% de inscrições (94.997 eleitores sobre um universo de 1.512.986 cidadãos com direito ao voto). Essa situação, entretanto, poderá ser modificada ainda para menos quando forem computados os que efetivamente manifestarão seu voto devolvendo tempestivamente os envelopes eleitorais aos consulados. Tão baixos números já ressuscitaram os argumentos dos que advogam o fim do voto dos italianos no exterior.

O mesmo jornal ‘Gente d’Italia’, editado no Uruguai, termina assim um artigo publicado na edição de hoje, quando analisa a derrota sofrida por Fabio Porta na Comissão Eleitoral do Senado, que convalidou a eleição do senador Adriano Cario, acusado de ter falsificado cerca de 15 mil votos na última eleição:

“Questo giornale si farà promotore di una richiesta ben precisa: togliere a noi italiani all’estero il diritto al voto. Basta prenderci per i fondelli. Davvero, lasciateci in pace. I vostri accordi teneteveli per voi, noi una dignità l’abbiamo. E forse anche per questo abbiamo deciso di lasciare il Paese” (Este jornal promoverá um pedido muito específico: retirar o direito de voto de nós, italianos no exterior. Basta de surpresas. Realmente, deixem-nos em paz. Guardem seus acordos, nós temos uma dignidade. E talvez este também seja o motivo pelo qual abandonamos a Itália).

Noutra matéria sobre as eleições dos Comites, o jornal avisa que “o Comites que sairá das urnas dia 3 de dezembro não terá alguma legitimidade, uma vez que representará apenas uma pequena minoria de cidadãos”. No Brasil, mesmo que todos os 15.262 cidadãos inscritos votem, ainda assim restará o silêncio ou a indiferença dos outros – a maioria, hoje na casa dos 377.663 que formam o cadastro dos italianos no Brasil perante os consulados. Em 2015, a novidade da “inversão de opção” produziu um resultado um pouco melhor: cerca de 9% (26.672) dos 296.522 inscritos nos consulados se habilitaram ao voto.